O Caminho Dorsal: Frontal
As estruturas do lobo temporal da via dorsal estão conectadas através do arcuate fasciculus com aspectos mais posteriores e ventrais dos cortices frontais do que a via ventral. Essas estruturas frontais incluem os pars opercularis do giro frontal inferior (IFG; área citoarquitectônica 44) e córtex pré-motor (área citoarquitectônica 6). Esta última estrutura liga-se directamente ao córtex motor primário (área citoarquitectónica 4). Suportando a hipótese de que a via dorsal está envolvida no mapeamento entre as representações sensoriais e de ação ou motoras são os dados que essas áreas estão diretamente envolvidas na preparação e na produção da linguagem (entre outros movimentos). Além disso, como os aspectos temporal-parietal da via dorsal, os cortices frontais posteriores estão envolvidos em tarefas destinadas a avaliar o processamento fonológico.
Especificamente, a área de Broca do IFG, composta pelos pars opercularis (aproximadamente área citoarquitetônica 44) e os pars triangularis (aproximadamente área citoarquitetônica 45), tem sido vista há muito tempo como suporte do mecanismo pelo qual as formas auditivas são codificadas em formas articulatórias a serviço da produção da linguagem (Geschwind, 1965). Esta caracterização, no entanto, não é completamente precisa. Embora a área de Broca seja ativada durante a articulação aberta e encoberta (Friederici et al., 2000b; Grafton et al., 1997; Huang et al., 2001), esta área não está envolvida no controle da articulação per se (Bookheimer et al., 1995; Huang et al., 2001; Papathanassiou et al., 2000), mas pode ser uma região ‘pré-articulatória’ (Wise et al., 1999). De fato, outras regiões têm se mostrado mais consistentemente ativas do que a área de Broca durante a produção ostensiva (por exemplo, cortices pré-motores, Blank et al., 2002; Wise et al., 1999).
Outra sustentando a noção de que a área de Broca não está envolvida no controle da articulação per se é que a ativação nesta área não é específica da fala oral. Por exemplo, a área de Broca é ativada durante a produção da linguagem gestual americana (Corina et al., 1999; Huang et al., 2001) e é ativada pela observação e imitação de movimentos não linguísticos, mas significativos, direcionados por objetivos (Binkofski et al., 2000; Ehrsson et al., 2000; Grezes et al, 1999; Hermsdorfer et al., 2001; Iacoboni et al., 1999; Koski et al., 2002).
Uma sugestão quanto à função da área de Broca é que ela está envolvida em tarefas (tanto produtivas quanto perceptivas, relacionadas ou não à fala) que requerem segmentação (Burton et al., 2000). Além disso, tarefas envolvendo segmentação tendem a ativar aspectos mais posteriores da área de Broca (ou seja, os pars opercularis), enquanto que, como discutido na seção sobre características do lobo frontal da via ventral, aspectos mais anteriores do IFG (ou seja, os pars triangularis e orbitalis) tendem a ser ativados por tarefas que são de natureza semântica ou gramatical. Um conjunto de tarefas que requer segmentação que ativa consistentemente os pars opercularis são aquelas destinadas a avaliar a fonologia (Buckner et al., 2000; Burton et al., 2000; Demonet et al., 1992, 1994; Fiez et al., 1995; Heim et al., 2003; Muller et al., 2001; Paulesu et al., 1993a; Poldrack et al., 1999; Zatorre et al., 1992, 1996). Além disso, tarefas destinadas a avaliar a memória verbal de trabalho – ou seja, aquelas que se pensa necessitarem de manutenção ativa de informação fonológica ou segmentar (Baddeley e Logie, 1999) – também ativam os pars opercularis do IFG, além dos cortices pré-motores (Awh et al, 1995; Braver et al., 1997; Cohen et al., 1994, 1997; Jonides et al., 1998; Paulesu et al., 1993b; Schumacher et al., 1996).
Os cortices pré-motores são ativos quando as tarefas requerem que um participante gere um plano articulatório/fonético e sejam ativos em maior extensão do que a área de Broca. Em particular, estudos de produção de linguagem demonstram atividade (ventral) pré-motora e insula, mas não necessariamente atividade IFG (Chao e Martin, 2000; Grabowski et al., 1998; Grafton et al., 1997; Heim et al., 2002; Martin et al., 1996; Riecker et al., 2000; Wildgruber et al., 1996, 2001; Wise et al., 1999). Além disso, a percepção da fala sobrepõe-se à produção dos mesmos sons de fala no córtex pré-motor (Wilson et al., 2004). Além disso, em contextos onde a face do falante é observável, a compreensão da linguagem audiovisual ativa o pars opercularis, o córtex pré-motor e o córtex motor primário em uma extensão ainda maior do que apenas com a compreensão auditiva (Skipper et al., 2002, 2004, 2005). Este último sugere que as características observáveis dos movimentos faciais podem ser compreendidas e utilizadas na compreensão da linguagem através do conhecimento de como produzir os movimentos observados (Binkofski et al., 2000; Kohler et al., 2002; Rizzolatti e Arbib, 1998; Umilta et al, 2001).
Em suma, as tarefas que ativam os cortices frontais da via dorsal (isto é, produção da fala, memória verbal de trabalho e percepção dos sons da fala) são funcionalmente contínuas com aquelas que ativam os aspectos temporal-parietal da via dorsal, embora estejam mais estreitamente associadas à produção. Isto suporta a alegação de que esta via subserva o mapeamento entre as representações baseadas em sensores e motores (Hickok e Poeppel, 2004). Além disso, ele dá suporte à hipótese de que, sob algumas condições, a linguagem (ou pelo menos a fala) é compreendida através da utilização do conhecimento sobre a produção da fala (por exemplo, Liberman e Mattingly, 1985).
Existe, no entanto, uma maneira muito diferente de envolver esses cortices frontais, especialmente os pré-motores, na compreensão da linguagem que não se enquadra numa clara dissociação entre as vias dorsal e ventral. Até agora, a distinção entre as vias dorsais e ventrais tem sido que as áreas frontais associadas à via dorsal estão envolvidas na integração sensorimotora no que diz respeito aos aspectos segmentares da percepção/produção da fala, enquanto que a via ventral está envolvida em operações semânticas. Entretanto, há pelo menos uma forma pela qual a integração sensorimotora pode desempenhar um papel nos aspectos semânticos do processamento da linguagem, como sugerido pelos estudos de lesão e neuroimagem de efeitos de categoria no processamento de palavras. Ou seja, lesões do lobo temporal resultam em déficits na nomeação de entidades concretas, mas não de ações, e lesões pré-frontais mostram o efeito oposto (Tranel, 2001; Tranel et al., 1997a,b, 2003). Resultados semelhantes foram encontrados em participantes sem lesões cerebrais; isto mostra que a nomeação de ferramentas ativa seletivamente regiões pré-motoras em relação à nomeação de objetos não manipuláveis (Chao e Martin, 2000; Grafton et al., 1997; Martin et al., 1996). Da mesma forma, o córtex pré-motor é mais ativo durante a categorização de objetos apreendidos (por exemplo, frutas, vegetais e roupas) em relação a animais e objetos não manipuláveis pelo homem (Gerlach et al., 2002).
Junto, esses resultados sugerem que as propriedades semânticas das palavras podem codificar características de suas categorias. Assim, a ativação de ferramentas pode ativar regiões pré-motoras devido à associação entre ferramentas e alcance (Martin et al., 1996). De fato, algumas evidências sugerem que palavras de ação (por exemplo, correr vs. tipo vs. sorriso) ativam cortices motores de forma somatotópica (Pulvermuller et al., 2000, 2001). De fato, embora a discussão neste ponto esteja centrada no córtex frontal inferior e pré-motor, o princípio de que as características das palavras são codificadas ou recuperadas com percepção e produção de palavras é um princípio geral. Por exemplo, há mais processamento em áreas visuais para animais em relação às ferramentas (Martin et al., 1996; Moore e Price, 1999a; Mummery et al., 1998; Perani et al., 1999), talvez porque codificamos as últimas mais em termos de suas propriedades visuais e as primeiras mais em termos de suas propriedades sensorimotoras. Foi demonstrado, por exemplo, que palavras coloridas ativam áreas visuais envolvidas no processamento de cores (Martin et al., 1995).
Em resumo, o caminho dorsal pode codificar o conhecimento da ação não só em relação aos sons da fala (ou seja, como produzi-los), mas também em relação às características semânticas do significado da palavra (a palavra ‘martelo’ codifica o conhecimento sobre como usar um martelo). Esses dois aspectos do continuum percepção-produção de ação com relação à função da linguagem são muito diferentes e provavelmente dependem de redes neurais muito diferentes e provavelmente representam uma sobreposição entre as vias dorsal e ventral, como discutido aqui. Isso requer cautela ao aceitar estritamente a distinção entre as vias dorsais/virais e sugere, ao contrário, que tais distinções sejam utilizadas apenas para fins heurísticos, com a realidade de que as coisas são muito mais complicadas.