Endoscopic anatomy of the anterior ethmoidal artery: a cadaveric dissection study | Brazilian Journal of Otorhinolaryngology (Portuguese Edition)

INTRODUCTION

A falta de conhecimento sobre as técnicas cirúrgicas endonasais, mais especialmente sua anatomia, foi o principal fator relacionado ao alto índice de complicações observadas associadas a este procedimento cirúrgico durante a década de 801. Entretanto, hoje, com maior experiência e mais conhecimento da anatomia endoscópica nasosinusal, adquirida através das dissecções de cadáveres, o índice de complicações graves tem diminuído consideravelmente2. Assim, a identificação das estruturas anatômicas nasosinusais e o conhecimento de seus limites são essenciais tanto para a eficácia quanto para a segurança das cirurgias endoscópicas nasosinusais, independentemente da técnica utilizada3,

A artéria etmoidal anterior (AEA) é um importante ponto de referência anatômico para localizar o seio frontal e a base anterior do crânio2. Um dano indesejado a essa artéria durante a cirurgia pode causar sérias complicações, como sangramento intenso, vazamento do líquor, retração da artéria em direção à região intra-orbitária e, consequentemente, hematoma orbital e até mesmo infecções cerebrais4,5. Em casos raros (1%), é necessário um tratamento cirúrgico para controlar a epistaxe posterior, por meio de ligadura ou cauterização da artéria6, e em casos selecionados, com sangramento posterior; a artéria etmoidal anterior também deve ser ligada7. Em seu estudo sobre falhas na ligadura da artéria esfenopalatina, Rockey et al.7 consideraram a possibilidade de ligar sempre a AEA durante a mesma abordagem cirúrgica. Woolford et al.3 propõem um procedimento endoscópico para esta ligadura, o que torna fundamental conhecer a sua localização anatômica endoscópica.

Assim, vemos que a localização correta da artéria etmoidal é muito importante para reconhecer estruturas de difícil acesso (seio frontal) e delinear o limite superior durante a cirurgia endonasal (base do crânio). Além disso, encontrar esta artéria nos permite, em alguns casos, tratar um local de epistaxe grave.

Etnia e gênero têm sido comprovadamente causa de diferenças anatômicas no que diz respeito à artéria etmoidal anterior2. Entretanto, apesar de muitos estudos endoscópicos realizados em cadáveres, ainda nos falta um estudo anatômico da AEA na população ocidental, em termos de sua relação com a base do crânio, a fim de normalizar sua localização durante procedimentos nasosinusais endoscópicos (etmoidectomias, cirurgias do seio frontal, ligadura endoscópica da AEA).

O presente estudo tem como objetivo estudar a anatomia endoscópica da artéria etmoidal anterior, através da dissecção das cavidades nasais dos cadáveres, identificando pontos de referência para sua localização e estudando suas variações intra e interindividuais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Análise de Projetos de Pesquisa – CAPPEsq do Conselho Clínico do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (protocolo nº 113/04). Foram dissecados 25 cadáveres (50 cavidades nasais) consecutivamente na Morgue do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (SVOC-USP). Foram coletados dados dos cadáveres referentes a sexo, idade, altura, peso e raça. A causa de morte não foi levada em consideração, e incluímos apenas indivíduos acima de 18 anos de idade. Entretanto, foram utilizados alguns critérios de exclusão:

  • Passo de lesão nasal;

  • Passo de cirurgia nasosinusal;

  • Presença de doenças que alteraram a anatomia e dificultaram a observação das estruturas sinusais esfenoidais (e.g. sinusite, polipose, etc.).

Métodos Sistema de vídeo-documentação

Todos os procedimentos foram documentados por um sistema compreendendo uma fonte de luz halógena (Konlux-HL2250); uma microcâmera (Toshiva IK-CU 43ª); uma tela de vídeo (SEMP 10″) e um gravador de vídeo digital (SONY Mini-DV DCR-TRV 50). Este sistema foi levado para a morgue do SVOC-USP e utilizado para gravar todos os procedimentos.

Os instrumentos de cirurgia endonasal foram utilizados para as dissecções (Cottle, pinça de pressão angulada e reta, pinça de corte, um buscador e uma cureta para o seio frontal), um Storz Hopkinsâ de 4mm 0o e um endoscópio Storz Hopkinsâ de 4mm 45o, uma régua de 10mm de largura e 100mm de comprimento e um paquímetro para as medidas (Figura 1).

Figure 1.

Instrumentos usados para dissecção.

(0.09MB).

>

Técnica de dissecção

A dissecção, sempre realizada pelo mesmo cirurgião, compreendeu o seguinte para cada cavidade nasal: uncinectomy e ethmoidectomy anterior até a base anterior do crânio onde se encontrava a artéria etmoidal anterior. Em seguida, foram feitas: remoção da parede papirácea anterior e adjacente à artéria etmoidal anterior; descolamento da parede papirácea e do tecido periorbital para confirmar a identificação da AEA na região onde penetrou a parede papirácea, através do forame etmoidal anterior (Figura 2).

Figure 2.

Artéria etmoidal anterior na cavidade nasal esquerda durante dissecção endoscópica em cadáver, retratando a deiscência completa do canal ósseo.

(0,06MB).

A via intranasal arterial foi analisada em cada lado quanto à presença de deiscência do canal ósseo (total ou parcial) após a remoção da mucosa nasosinusal sobre a artéria, utilizando um buscador. Utilizando a régua, medimos as distâncias do ponto médio da porção intranasal da artéria em relação à base do crânio, à axila anterior das conchas médias (borda anterior da inserção do turbinado médio na parede nasal lateral – AXCM), à borda superior da narina medial (região onde a crura média e lateral da cartilagem lateral inferior – AXN) e à espinha nasal anterior (ENA) (Figura 3). Além disso, foi verificada sua distância até a base do crânio, classificada em 3 grupos ( 2,5 e 5mm), e seu comprimento ao longo da via etmoidal.

Figure 3.

Medida com régua da distância entre a artéria etmoidal anterior e a axila turbinada média.

(0.06MB).

Análise estatística

Os dados coletados foram armazenados em uma base de dados e analisados usando o software SPSSâ 10.0 para Windows. O teste qui-quadrado não paramétrico foi utilizado para a comparação da prevalência de deiscência entre os lados. Para analisar a diferença de medidas entre gêneros e lados, utilizamos o teste Mann-Whitney U. As medidas entre os lados foram correlacionadas utilizando o coeficiente de correlação linear de Pearson. A concordância da presença de deiscência entre os lados foi analisada através do coeficiente de concordância de Kappa. Valores de “p” menores ou iguais a 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Para o cálculo da amostra e um intervalo de confiança de 95%, o grau de confiança foi de 5% para os valores não-paramétricos.

RESULTADOS

Entre os cadáveres estudados, 10 (40%) eram do sexo masculino e 15 (60%) do feminino. A idade variou de 39 a 83 anos (média: 60,64 ± 12,63 anos). A Tabela 1 apresenta os dados referentes à etnia dos 25 cadáveres envolvidos no estudo. Entretanto, não observamos diferenças estatisticamente significativas quanto às medidas observadas entre as diferentes raças estudadas (p> 0,05).

Tabela 1.

Distribuição racial.

RAÇA
Caucasoid 52%
Africanoid 20%
Castanho 28%
Total 100%

Estudamos 50 cavidades nasais e em duas delas não conseguimos localizar a artéria etmoidal anterior. O canal etmoidal anterior foi parcialmente deiscente em 41,7% das cavidades nasais e totalmente deiscente em 25% (Tabela 2). O canal estava intacto em 33,3% dos casos. Não houve diferença estatística, no que diz respeito à deiscência, entre os dois gêneros (χ2 p= 0,45). A concordância entre os lados direito e esquerdo em relação à deiscência do canal etmoidal foi semanal, com coeficiente Kappa de 0,337; os lados estiveram de acordo em apenas 52% dos casos.

Tabela 2.

Deiscência no canal etmoidal anterior.

CANAL ETMOIDAL
Frequência % % válida
Discente 24,0 25,0
Parcialmente deiscente 20 40,0 41,7
Intacto 16 32,0 33,3
Total 48 96,0 100,0
Não encontrado 2 4,0
Total 50 100,0

As distâncias da artéria etmoidal anterior em relação às referências anatômicas deste estudo são apresentadas na Tabela 3. O comprimento médio da via intranasal da artéria etmoidal anterior foi de 5,82mm (desvio padrão = 1,41mm). A distância média do ponto médio da artéria até a coluna nasal anterior foi de 61,72mm (sd = 4,18mm); para o AXN foi de 64,04mm (sd = 4,69mm); e para o AXCM foi de 21.14mm (sd = 3,25mm).

Tabela 3.

Artéria etmoidal anterior mede em relação aos pontos de referência e de acordo com o sexo.

Ponto de referência N Média Mm Desvio padrão P (Mann-Teste Whitney U)
Comprimento da artéria etmoidal anterior 48 5,82 1,41 0,885
Male 19 5,89 1,62
Feminino 29 5,78 1,28
Distância da coluna nasal anterior 48 61,72 4,18 0,000
Male 19 65,10 1,66
Fêmea 29 59,51 3,85
Distância da axila nasal anterior 48 64,04 4,69 0,000
Male 19 67,31 2,45
Feminino 29 61,89 4,60
Distância da axila anterior do turbinado médio 48 21,14 3,25 0,640
Male 19 21,31 2,84
Fêmea 29 21,03 3,54

Para todas as medidas, não houve diferenças estatisticamente significativas quando os lados direito e esquerdo foram comparados (p> 0.05). Tal fato foi observado na concordância entre os lados quanto à distância da artéria etmoidal ao AXCM (Quadro 1).

Cartão 1.

Relação da distância da artéria etmoidal anterior à inserção anterior do turbinado médio entre os lados direito e esquerdo.

(0,05MB).

Existiram diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros quanto à distância entre a artéria e o ENA e o AXN (pTabela 3). Entretanto, observamos que a distância entre a artéria e a AXCM não apresentou diferenças estatisticamente significativas entre os gêneros (p= 0,640). A Tabela 3 apresenta as médias. O comprimento da via intranasal da artéria etmoidal anterior também não foi diferente entre os sexos (p= 0,885).

A distância entre a artéria e a base do crânio, 83,3% das artérias estavam ligadas ao teto etmoidal (Figura 4), 4,1% estavam entre 2,5 e 5mm; e 12,5% estavam localizadas a uma distância maior que 5mm da base do crânio (Figura 5). Não houve diferença entre os lados (p= 0,383).

Figure 4.

Presença do canal etmoidal anterior na cavidade nasal atravessando o labirinto etmoidal a mais de 5mm de distância da base do crânio (endoscópio de 45 graus).

(0.06MB).

Figure 5.

Artéria etmoidal anterior atravessando o labirinto etmoidal no teto do etmoidal anterior, totalmente coberto pelo canal ósseo.

(0,07MB).

>DISCUSSÃO

Na sua via intranasal, a artéria etmoidal anterior encontra-se dentro de um canal ósseo chamado canal etmoidal anterior que deixa a órbita através do forame etmoidal anterior. Esta artéria é responsável pela irrigação das células etmoidais anteriores e do seio frontal, ramifica-se em vasos meníngeos dentro da fenda olfativa e desce até a cavidade nasal onde irriga o terço anterior do septo nasal e a parede lateral da cavidade nasal adjacente4. Esta artéria percorre o teto etmoidal em direção diagonal, postero-inferior (Figura 2) e o local onde penetra no crânio (articulação entre a placa cribiforme e a lamela lateral da fenda olfatória) é a região mais frágil e propensa a lesões, causando vazamentos do LCR8,9,

Um número de estudos tem inventado técnicas para ajudar a identificar a AEA. Kirchner et al.8 estudaram a anatomia da AEA, útil para uma abordagem externa, não endoscópica. Stammberger et al.10 sugeriram que a AEA seria localizada de 1 a 2mm posterior ao ponto mais alto da face anterior da bulla etmoidal; enquanto Lund et al.11 afirmaram que a parede posterior do recesso frontal é o ponto de referência para essa artéria. Entretanto, todos esses estudos mencionam possíveis diferenças étnicas, que nem sempre são uma regra.

Em nosso estudo, houve alguma deiscência da artéria em quase dois terços (66%) das cavidades nasais dissecadas. Tal achado enfatiza a importância de se conhecer a localização exata da AEA durante procedimentos endonasais, uma vez que a deiscência do canal ósseo torna a artéria mais suscetível a lesões indesejadas. Ter uma deiscência do canal em uma cavidade nasal não significa que a artéria contralateral também será exposta, já que isso foi verdade em apenas 52% dos cadáveres. Moon et al.3 e Stammberger et al.8 apresentaram menores taxas de deiscência em seus estudos (11,4% e 40%, respectivamente). O fato de termos considerado deiscência parcial e diferenças raciais pode explicar tais diferenças.

Não conseguimos localizar a AEA em duas cavidades nasais. Lee et al.2 consideraram a ausência da artéria etmoidal, porém não o comprovaram em seu estudo realizado apenas entre sujeitos chineses. Isaacson et al.12, estudando crânios de crianças, relataram ausência do forame etmoidal anterior em 5% dos casos. Há relatos de ausência da AEA e de sua via dentro da parede óssea da base do crânio13, impossibilitando assim a localização, porém não relacionamos sua ausência com esta última, já que confirmamos sua presença em sua via intra-orbitária (fora de sua via óssea).

O presente estudo mostrou que a artéria etmoidal anterior está localizada, em geral, a 21,14mm de distância da axila anterior turbinada média; a 61,72mm da coluna nasal anterior; e a 64,04mm da borda superior da narina medial. Tais medidas foram muito semelhantes às encontradas por Lee et al.2. Os mesmos autores descreveram uma relação linear entre a borda superior da narina medial, a axila anterior do corneto médio e a artéria etmoidal anterior (Figura 3), entretanto, não concordamos com tais achados. Observamos que essa linha reta encontrou o crânio de 3 a 4mm posterior à artéria etmoidal anterior (AEA). Em seu estudo, Lee et al.2 removeram a região equivalente à mucosa da axila turbinada média, o que poderia trazer sua medida mais anteriormente. Em estudos semelhantes, Moom et al. e Lee et al. utilizaram endoscópios de 0 graus em suas dissecções, o que pode prejudicar o achado da AEA, que muitas vezes só conseguimos localizar usando um endoscópio de 45 graus. A relação linear é válida, porém devemos considerar a superestimação posterior dessa regra.

As medidas encontradas no presente estudo foram significativamente diferentes entre os gêneros, sendo maiores no sexo masculino, discordando assim dos dados coletados em outros estudos de dissecções2,4. Somente a distância entre a AEA e a AXCM não apresentou diferenças entre os sexos e os lados, sendo o seu desvio padrão o menor observado entre as distâncias medidas na amostra. Assim, podemos considerar essa medida como muito útil e confiável na prática clínica para auxiliar na localização da AEA.

Em nosso estudo, 12,5% da AEA estavam a mais de 5mm de distância do teto etmoidal e tal fato também foi observado por Moon et al. Isso nos permite inferir que nosso método de avaliação foi satisfatório para esse item, mesmo quando não utilizamos cortes transversais (de corte sagital) (de estudo mais preciso) da cabeça, como os realizados por Moon et al. Esse fato torna as cirurgias etmoidais mais propensas à lesão da AEA. Uma exploração endoscópica cuidadosa, com atenção ao teto etmoidal, é necessária para evitar as possíveis lesões e seqüelas irreparáveis acima mencionadas.

Ohnishi et al.4 e Lynch consideraram a possibilidade de fazer uma cantotomia lateral para tratar possíveis lesões iatrogênicas da AEA. Entretanto, com base em nossa metodologia, podemos considerar a ligação endoscópica deste vaso, como defendido por Woolford et al.14, ou por micro-incisão cutânea e uso de endoscópios, como proposto por Douglas et al.15.

CONCLUSÕES

  • A axila turbinada média é a referência mais confiável para localizar a AEA, uma vez que está localizada, em geral, a 21mm de distância da artéria, e não mostrou diferenças de gênero nem de lado.

  • Em 12.5% dos casos em nossa amostra, o risco de lesão inadvertida da artéria etmoidal anterior durante a Cirurgia Endoscópica Funcional do Seno foi maior por estar localizada a mais de 5mm do teto etmoidal.

  • Em 66,7% dos casos, o canal etmoidal anterior apresenta algum grau de deiscência. Assim, a cirurgia endoscópica do seio etmoidal deve ser cuidadosa, estabelecendo os limites a fim de evitar complicações graves.

Deixe um comentário