Introdução
Fístula arterial sistêmico-pulmonar são comunicações anormais entre artérias sistêmicas aberrantes ou hipertróficas e artéria pulmonar.1 Este tipo de malformações arteriais pode ocorrer entre a artéria pulmonar e as artérias intercostais, ou artérias mamárias internas, brônquicas, pericárdicas ou esofágicas.2,3
Fístulas arteriais sistêmico-pulmonares podem ser adquiridas, secundárias a eventos inflamatórios/infecciosos (por exemplo: actinomicose, tuberculose), procedimentos cirúrgicos (procedimentos pós cardiotorácicos ou de drenagem torácica) ou causas neoplásicas. Entretanto, a idade jovem na qual alguns dos casos relatados destas fístulas foram detectados, sugere que estas podem ser anomalias congênitas raras, com apenas 20 casos descritos de fístulas arterio-arteriais de etiologia congênita.2-6 Os pacientes com esse tipo de anomalia podem apresentar dispnéia, hemoptise e/ou sintomas de insuficiência cardíaca congestiva ou podem ser assintomáticos e, geralmente, quando não há sintomas, às vezes é a presença de um zumbido ou sopro na ausculta cardiopulmonar que desencadeia a investigação diagnóstica e de imagem. Neste contexto, uma radiografia de tórax pode revelar alterações como entalhes nas costelas ou infiltrado pulmonar.7,8,5,3 As possíveis consequências deste tipo de fístula vascular incluem insuficiência cardíaca por sobrecarga de volume, hipertensão pulmonar e complicações infecciosas e/ou sangramento grave por ruptura.3
Um homem caucasiano de 35 anos de idade, e um trabalhador da construção civil, foi admitido no pronto-socorro do nosso hospital com dispnéia súbita. Não havia história de quaisquer outros sintomas ou sinais do trato respiratório (como hemoptise) ou do sistema cardíaco (palpitações). O paciente mencionou episódios esporádicos anteriores de dispnéia súbita e afirmou não estar a tomar qualquer medicação. Não havia antecedentes médicos pessoais ou familiares relevantes.
O paciente negou hábitos tabagistas, alcoólicos ou medicamentosos e não havia histórico de internações anteriores. A avaliação clínica do paciente revelou apenas broncoespasmo discreto após auscultação pulmonar. A radiografia de tórax mostrou entalhes unilaterais das costelas inferiores da 4-7ª costela esquerda, hipotransparência pulmonar inferior esquerda e vasculatura proeminente (Figs. 1 e 2).
Raio-X do tórax (incidência póstero-anterior) – demonstrando entalhes da costela unilateral inferior da 4ª à 7ª costela esquerda, terço inferior hipotransparente do pulmão esquerdo e proeminência vascular homolateral.
Angio-CT do tórax foi realizado e revelou redução relativa do realce do ramo esquerdo da artéria pulmonar (Fig. 3), dilatação homolateral e tortuosidade das artérias intercostais (Figs. 4, 6 e 7) com emaranhado de vasos sanguíneos arteriais (Fig. 8) (parcialmente extrapleural, transpleural e intraparenquimal) drenando para a artéria pulmonar esquerda. Também foram observadas alterações parenquimatosas pulmonares adjacentes como bronquiectasias de tração (Fig. 5). Não havia sinais de hipertensão pulmonar e o calibre das artérias brônquicas era normal.
Imagem axial da Angio-Torácica – TC, demonstrando relativo baixo realce do ramo esquerdo da artéria pulmonar quando comparado ao ramo contralateral.
Imagem axial da Angio-Torácica – TC, demonstrando dilatação e tortuosidade das artérias intercostais e aumento do calibre de um ramo segmentar da artéria pulmonar esquerda.
Imagem da TC sagital (janela do pulmão) demonstrando bronquiectasia de tração e bronquiolectasia em localização subpleural no pulmão inferior esquerdo.
3D Reconstrução coronal por TC demonstrando dilatação e tortuosidade das artérias intercostais.
3D Reconstrução coronal por TC demonstrando dilatação e tortuosidade das artérias intercostais e dilatação do ramo segmentar da artéria pulmonar esquerda associada por um emaranhado periférico de vasos sanguíneos arteriais no pulmão inferior esquerdo.
3D Reconstrução coronal oblíqua por TC demonstrando um emaranhado de vasos sanguíneos arteriais (parcialmente extrapleurais, transpleurais e intraprênquima) drenando via transparênquima para a artéria pulmonar esquerda.
Angiografia arterial seletiva das 4-7 artérias intercostais foi realizada para confirmar que a malformação vascular diagnosticada era exclusivamente arterial (Fig. 9 e 10), demonstrando artérias intercostais dilatadas e uma fístula arterial exclusiva entre artérias sistêmicas esquerdas e pulmonares através de um emaranhado de vasos sanguíneos arteriais (Fig. 10 e 11). As artérias brônquicas não foram avaliadas.
Imagem da angiografia seletiva da 4ª artéria intercostal esquerda demonstrando aumento do calibre e tortuosite da artéria intercostal.
Imagem da angiografia seletiva da 7ª artéria intercostal esquerda demonstrando, além do aumento do calibre e tortuosite da artéria intercostal, uma conexão fistulosa arterial exclusiva entre a circulação arterial sistêmica, via artéria intercostal, e a artéria pulmonar esquerda.
Imagem da angiografia seletiva da 7ª artéria intercostal esquerda demonstrando, anastomose arterial exclusiva com artéria pulmonar homolateral.
Durante este tempo de avaliação, o paciente permaneceu assintomático e a abordagem terapêutica (embolização versus abordagem cirúrgica) ainda não foi definida.
Discussão
As manifestações clínicas da fístula arterial sistêmico-pulmonar podem ser mal interpretadas como patência do canal arterial grave ou malformações arterio-venosas e os sintomas dependem, em parte, da repercussão funcional que é proporcional ao tamanho do vaso envolvido na anastomose vascular anormal e na distância cardíaca.2,8 A radiografia de tórax neste tipo de malformações vasculares demonstra entalhes unilaterais das costelas inferiores e hipotransparência pulmonar, sugerindo infiltrações pulmonares e/ou aumento dos vasos sanguíneos (como no nosso relato de caso).3
Nos relatos de casos descritos na literatura, as anastomoses arteriais pulmonares sistêmicas são tipicamente múltiplas e as malformações arterio-venosas podem estar presentes com conseqüências cardiovasculares.3 Em nosso relato de caso, não há sinal radiológico de conseqüência cardiovascular, já que a ICT (relação cardiotorácica) e o calibre da artéria pulmonar comum são normais e a fístula é exclusivamente arterial, achado que foi confirmado angiograficamente ao mostrar a anastomose arterial entre as artérias intercostais esquerdas e a artéria pulmonar esquerda.
No que diz respeito à anastomose arterial sistêmico-pulmonar, este relato de caso representa um caso excepcional, quanto à exuberância do shunt, padrão de drenagem (exclusivamente arterial) e sem consequências funcionais conhecidas. A embolização arterial transcatérmica ou a ressecção cirúrgica podem ser consideradas abordagens terapêuticas neste tipo de malformações vasculares, porém as recidivas têm sido descritas no procedimento pós-embolização.1,3,6
Conclusão
Fístulas sistêmico-pulmonares aéreas podem se apresentar por sintomas ou ser assintomáticas e podem ser adquiridas ou congênitas. Os autores descrevem um caso excepcional de fístula artério-arterial, notável por sua exuberância radiológica, tipo de malformação que é uma fístula arterial exclusiva entre artérias sistêmicas intercostais e artéria pulmonar sem comunicação arteriovenosa pulmonar. No nosso caso, a presença de anormalidades parenquimatosas, como bronquiectasias adjacentes ao emaranhado de vasos sanguíneos, pode sugerir um histórico de etiologia inflamatória/infecciosa anterior.
Divulgações éticasProteção de sujeitos humanos e animais
Os autores declaram que não foram realizados experimentos em humanos ou animais para este estudo.>
Confidencialidade dos dados
Os autores declaram ter seguido os protocolos do seu centro de trabalho na publicação dos dados dos pacientes
Direito à privacidade e consentimento informado